LAMPIÃO

 

                   Virgolino1 Ferreira da Silva, filho de família humilde, pequenos proprietários de terra, que se dedicavam a agricultura, pecuária e almocrevaria. Nasceu no sítio Passagem das Pedras, no município de Vila Bela, região do Vale do Pajeú, hoje a cidade de Serra Talhada em Pernambuco no dia 07 de julho de 1897 (conforme certidão lavrada pelo Estado no lugarejo de Vila São João do Barro Vermelho, atual Tauapiranga) ou no dia 04 de junho de 1898 (conforme certidão lavrada pela Igreja Católica na diocese de Floresta, paróquia de Bom Jesus dos Aflitos), esta última - muitas vezes - aceita como documento oficial.

                   Medeiros, poeta cordelista, aceita e notifica que a data correta do nascimento de Virgolino é a de 12 de fevereiro de 1900, lastreado que  "este dado foi fornecido pelo próprio Lampião ao escritor cearense Leonardo Mota, em 1926, no Juazeiro do Norte. Dois batistérios fornecidos após a morte de Lampião apresentam desencontros quanto ao ano do nascimento: um diz que Lampião nasceu em 1898, outro 1899." (1996 p. 1)

                   De início sua vida transcorria pacata e ordeira até o surgimento de um entrevero por causa de um morador-agregado (que se suspeitava vir a ser o ladrão de sua criação de caprinos) do seu vizinho José Saturnino. O agravamento crescente dessas desavenças - presume-se - fez com que Virgolino viesse a enveredar por um caminho marginal, inicialmente com dois dos seus irmãos Antônio e Livino, vindo a se juntar ao grupo posteriormente o irmão mais novo e pouco experiente, Ezequiel. O outro irmão de nome João, era débil mental e segundo Mota, "jamais acompanhou a irmandade delinqüente". (1967 p. 17)

                   Optando por cometer delitos e a se juntar a grupos como os "porcinos" e os "matildes", do seu tio Antônio Matilde, Lampião dá início a um ciclo de violência e banditismo, sem precedentes na região,  enveredando pela marginalidade empedernida. 

                   À Dona Maria (sua mãe) se creditava o apoio ao procedimento dos filhos, afirmado por testemunhas, à época, que diziam que o Sr. José Ferreira (seu pai) desarmava os filhos na porta da frente e ela os armava na porta de trás. Nesse ínterim e, na prolongada ausência dos filhos, ocorre o falecimento da mesma, acometida de um enfarte fulminante.

                   Dias após, em uma incursão da volante, comandada pelo sargento José Lucena Maranhão, da Polícia Militar de Alagoas, juntamente com o delegado Amarílio, de Matinha de Água Branca à residência de Luiz Fragoso, procurado pela polícia por crime de morte, a fatalidade fez com que lá estivesse o pai de Virgolino, que se refugiara com a família quando se dirigia para a cidade de Mata Grande em busca de um refúgio onde não fosse mais perseguido. Tornou a ação da volante, face à reação oferecida pelo procurado, resultante nas mortes do próprio Luiz Fragoso e do Sr. José Ferreira.

                   Os irmãos Ferreira, tomando conhecimento do ocorrido, só puderam chegar ao local dias depois, seus pais já haviam sido enterrados no cemitério de Santa Cruz do Deserto, tendo os irmãos Ferreira, perdido pai e mãe em pouco mais de duas semanas. Virgolino, face aos acontecimentos, passou a ter o cangaceirismo como atividade única e elegeu o sargento Lucena e o civil José Alves de Barros o "José Saturnino", como os seus maiores inimigos.

                   Virgolino selou o seu destino quando, pelo fato de já ter perdido pai e mãe, cooptou - entre seus afoitos camaradas - aqueles que tivesse coragem para acompanhá-lo e, iniciando doravante uma trilha de sangue, terror e dor fazendo com que os chefes de outros grupos, a exemplo do seu tio Antônio Matilde, se intimidassem e não mais quisessem chefiá-lo, deixou-o mais à vontade, para consolidar o seu nome e formar seu próprio grupo. Tornando-se conhecido e temido por onde passava e, distinguindo-se, dos outros grupos que atuavam nos sertões, por ter ações sanguinárias, de um lado e inusitadas de outro: o emprego de extremada perversidade, do saque, da pilhagem, da extorsão e, paradoxalmente demonstrando em certos rompantes de piedade, alguma forma caridade aos miseráveis.

                   Deflagrando, daí em diante, o "famigerado" Lampião (assim adjetivado, vaticinado e tornado célebre pelo periódico Diário de Pernambuco), uma verdadeira guerra de larga envergadura, entre 1920 e 1938, em uma área interiorana de sete estados nordestinos e autodenominando-se, ousadamente, de o "Governador do Sertão". Tornando-se ai, o "Inimigo Público nº 1" da polícia nordestina.

                   No entender do historiador Cavalcanti, "tanto na disputa pela terra quanto no sentimento de vingança pela morte do pai estão presentes valores distantes e quase desconhecidos do cidadão urbano médio de hoje em dia. Assim, para compreender Lampião é preciso contextuá-lo em seu tempo e lugar." (1997)

                   Contudo, segundo Ferraz, Virgolino "não foi obrigado - por perseguições - a adotar uma vida de banditismo; ao contrário, foi combatido por ter-se transformado em temível bandoleiro. Seu pai teve o fim precipitado pela turbulenta vida dos três célebres filhos [Virgolino, Antônio e Livino]. Antes que fosse muito tarde, Lampião recebeu conselhos e advertências e, o mais importante, o exemplo de numerosos habitantes da região em que vivia; contudo, fustigou-os de tal forma que os obrigou a se transformar de pessoas reconhecidamente pacíficas em arqui-inimigas do cangaço quando perderam a crença em sua sobrevivência sem recursos da luta armada." (1985 - p. 12)

                   No ideário popular, Virgolino conquistou o apelido de Lampião num de seus embates com a polícia militar, quando gabava-se que - no decorrer de uma luta - sua espingarda não deixara de ter clarão, "tal qual um lampião".  Lira nos apresenta - historiadamente - quatro hipóteses para a alcunha famosa, como se segue:

o        A primeira delas surgiu após a retirada dos Ferreira para Alagoas onde fixaram residência no lugar Santa Cruz do Deserto, município de Mata Grande. Com eles foram muitos amigos e agregados, como: Pergentino Belxó, Luiz Gameleira, Manoel Tubino,  e Cajazeira (estes dois últimos, já cangaceiros afamados). Por último, juntaram-se a eles os irmãos Benedito (José, Olímpio e Manoel). Foi exatamente na afirmação de Olímpio Benedito que no intervalo da marcha "ao meio dia, no descanso na Lagoa dos Soares, quando palestravam e brincavam, surgiu naquele descanso, naquela palestra, o vulgo de Lampião para Virgulino Ferreira." (1997 p.43)

o        A segunda deu-se, durante forte perseguição exercida pelo tenente Lucena (antes mencionado como sargento) sobre os Ferreira, quando do ingresso dos mesmos no bando de Antônio Porcino. Que, nas Alagoas, sob forte fogo cerrado em Pariconha; Virgolino "com o seu rifle peado, formando na boca do mesmo um grande e luminoso farol, dando a impressão de um lampião, surgiu o nome de guerra do famoso cangaceiro." (1997 p. 57)

o        A terceira foi em condições semelhantes à segunda, travada nas trevas de uma noite sem luar e, Virgolino salientando-se mais que os demais e "com toda a escuridão, entravam em feroz fuzilaria. Os bandidos jogavam balas como chuva em cima da polícia que, destemidamente, avançava contra os inimigos.  A luta foi seriamente arrochada, apesar do número inferior de bandidos (doze homens), isto sem haver recuo, mas devido ao forte avanço do tenente Lucena os cangaceiros deram costas, deixando morto o cangaceiro Gafanhaque." (1997 p. 59)

o        A quarta e última versão tem origem num forte tiroteio onde foi morto o cangaceiro Pitombeira e ferido o bandido Lavandeira. Virgolino surpreendeu seu chefe de então, o famoso Sinhô Pereira, conquistando sua confiança e inspirando-a em todo o grupo. Indagado pelo mesmo, após um boa noite de descanso, sobre os requisitos que o mesmo teria para ser um cangaceiro de verdade e continuar em seu bando, respondeu "apenas que no seu rifle, no tiroteio da noite anterior, jamais faltou clarão. Ao ouvir estas palavras, os célebres cangaceiros Baliza e Cajazeira, gritaram: - Temos agora, um lampião! Temos agora um lampião! Não andaremos mais no escuro!. Daquele dia em diante, Virgulino passou a atender, por Lampião." (1997 p. 61)

                   Segundo Vassalo Filho, Lampião fisicamente "tinha cerca de 1,70 de altura, tipo amulatado, compleição rígida e era cego do olho direito. Sua canga era composta, além das armas habituais, de carne assada, charque, bolachas e café, pedaços de queijo e rapadura, misturados com farinha de mandioca. Conduzia ainda algodão, tintura de iodo, casca de juá e aguardente alemã [schnaps]. Papel e lápis, além de muito dinheiro. Todos esses apetrechos de sua 'canga' chegavam a pesar mais de 20 quilos, o que demonstrava a resistência de quem os conduziam, em longas caminhadas de léguas e léguas e durante tantos anos."

                   Alguns escritores como Oliveira, A., descreve-o mítica e apaixonadamente que “Cangaceiro nenhum estaria à altura de superá-lo como chefe. Ele [Lampião] possuía todas as qualidades necessárias... (...) inteligente, enérgico e autoritário. (...) Nunca manuseou livros como o Regulamento Interno de Serviços Gerais – RISG, Regulamento Disciplinar do Exército – RDE, porém sabia manter a disciplina entre seus comandados” (1970 p. 48).

                   Na criação ficcional de Aguiar, Lampião descreveu aos meninos da cidade de Jardim no Vale do Cariri cearense, as forças policiais que o perseguia, da seguinte maneira: " - Macacos [referindo-se às Volantes], (...) são os soldados pagos pelo Governo para nos matar. Mas eles, como todo mundo já sabe, são uns mortos-a-fome, uns comprados. Uns macacos, portanto." (1990 p. 79)

                   Porém, a realidade histórica é bem outra, como atesta Prata, e diz: "Impossível seria narrar os crimes praticados pelo famigerado malfeitor e seu bando. São tão inúmeros, que se avolumam tanto todos os dias e todas as horas que não haveria páginas que os comportassem. (...) A criminalidade bárbara de     Lampião assume aspectos inéditos. Vê-se claramente que ele se debate na angústia da inovação, buscando sempre modalidades novas de torturas física e moral, como os famosos supliciadores chineses. (...) Corta orelhas, castra, estupra raparigas adolescentes, contaminando-as de mal venéreo; viola mulheres casadas à vista dos maridos. Surra, à palmatória e chicote, mulheres, velhos e crianças; ferra moças na face, no púbis, nas coxas!...". (1985 p. 72) Como, também em complemento, nos reporta Carvalho que "... nunca houve celerado que tivesse à sua conta maior acervo de crimes e atrocidades! Assaltou cidades importantes, assassinou, roubou, estuprou, incendiou como nenhum outro congênere ousou fazer entre nós em tempo algum. Jamais houve história de banditismo nordestino, bandoleiro que lograsse com o sortilégio do seu nome, reunir em torno de si o respeitável contingente de mais de uma centena de sequazes. E o mais importante, por estranho que pareça, todos bem armados e municiados com armas e munição do governo! [?]..." (1974 p. 150)

                   Lampião - juntamente com sua companheira Maria Bonita e mais nove cabras - veio a falecer em combate na Grota do Angico, segundo Oliveira, J., "... local pertencente - na época - à região de campo-santo do município de Morgado do Porto da Folha ..." (hoje pertencendo ao município de Poço Redondo), às margens do rio São Francisco, no estado de Sergipe, onde estava acoitado, confrontando-se com uma volante do Tenente João Bezerra da Silva da Polícia Militar de Alagoas, na manhã da quinta-feira 28 de julho de 1938.

                   Pacheco, um outro poeta cordelista, sobre o episódio, alegoriza sobre a pretensa chegada de Lampião no Inferno e verseja da seguinte maneira (alguns excertos) :  

 

 

"Um cabra de Lampião

Por nome Pilão Deitado

Que morreu numa trincheira

Um certo tempo passado

Agora pelo sertão

Anda correndo visão

Fazendo malassombrado

 

E foi quem trouxe a notícia

Que viu Lampião chegar

O inferno nesse dia

Faltou pouco prá virar

Incendiou-se o mercado

Morreu tanto cão queimado

Que faz pena até contar

.................

Lampião disse vá logo

Quem conversa perde hora

Vá depressa e volte já

Eu quero pouca demora

Se não me derem ingresso

Eu viro tudo asavesso

Toco fogo e vou embora"

 

                   Por fim, Ferreira & Amaury nos incita dizendo que: "Lampião deveria ser tão conhecido, no Brasil, tanto quanto os personagens do velho oeste norte-americano, o foram em sua terra. No entanto as circunstâncias culturais brasileiras criaram esse tipo de distorção que, se não temos a ilusão de poder corrigir, podemos, pelo menos, desafiar. Deveria fazer parte de nossa cultura e de nosso imaginário com o mesmo peso e a mesma divulgação dos personagens do velho oeste americano." (1999 p. 26)

 

 

1Virgolino é a  grafia utilizada em sua certidão de 1898 e nesta HP. Virgulino, somente por citação de outrem.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

MEDEIROS, Antônio Américo de. Lampião e sua história contada em cordel.

       Patos (PB) : Do Autor, 1996.

 

MOTA, Leonardo. No Tempo de Lampião.

       Fortaleza : IUC, 1967.

 

DIÁRIO DE PERNAMBUCO. [Comentário sobre as façanhas]

       Recife : DP, 22 de julho de 1922.

 

CAVALCANTI, Carlos André. Lampião antes do cangaço.

       in Diário de Pernambuco. [Seção Memória].

       Recife : DP, 5 de janeiro de 1997.

 

FERRAZ, Manoel de Souza. (Manoel Flor). Introdução

     [Depoimentos pretéritos]

       in FERRAZ, Marilourdes. O Canto do acauã.

       Recife : Rodovalho, 1985.

 

LIRA, João Gomes de. Lampião: Memórias de um soldado de volante.

       Floresta (PE) : PMF/SECD, 1997. vol. 1

 

VASSALO FILHO, Miguel. Op. cit.

 

OLIVEIRA, Aglae L. de. Lampião: Cangaço e nordeste.

       Rio de Janeiro : O CRUZEIRO, 1970.

 

PRATA, Ranulfo. Lampião.

     São Paulo : Traço, 1985.

 

AGUIAR, Cláudio. Lampião e os meninos.

     Recife : COMUNICARTE, 1990.

 

CARVALHO, Rodrigues de . Op. cit.    

 

OLIVEIRA, Jairo L. (Diretor de Turismo da Secretaria de Cultura

      de Piranhas - AL)

      Em relato ao autor, em janeiro de 2002, na Grota do Angico.

 

PACHECO, José. A Chegada de Lampião no inferno.

       s/l: s/e, s/d.

 

FERREIRA, Vera & AMAURY,Antonio.  Op. cit.

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